sexta-feira, 13 de junho de 2008

Madrugada


Madrugada em Nova Iorque. Duas horas da manhã precisamente. Obviamente estou acordado. O porquê do obviamente? Sair à noite é um pré-requisito na minha condição. Eu caço. Às vezes sou caçado, é verdade, mas não me agrada essa inversão de papéis. Do bolso esquerdo do meu paletó, tiro um cigarro. O último. Como fumei tanto? Isso não importa; são duas e vinte e ainda não saí de casa. Estou um tanto quanto...faminto. Um BigMac iria bem, mas não costumo ingerir carne que não persigo. O que me lembra que ainda não o fiz.

Saindo do apartamento apressado, como um político chamado na rua por um popular, eu caminho em uma cidade tomada pela névoa. Um desabrigado esquenta suas mãos em um tonel que pegava fogo. Lembro do meu cigarro. Rapidamente, encosto-o no tonel e o acendo. Finjo que a fumaça me incomoda. Finjo que o cheiro da falta de asseio do mendigo me incomoda.Também finjo que posso respirar.

Uma placa de néon caída e piscando por falta de manutenção chama a minha atenção.
O néon era rosa. Bar decadente. Gostei. Entro, e um bêbado me saúda com o dedo médio de sua mão. A hospitalidade me conquistou. Situando-me, procuro um banco livre no balcão. Sento. Amendoins numa tigela são jogados em minha direção. Noto um pequeno fio de cabelo no meio. Bar realmente decadente. Apago o cigarro dentro da tigela, como manda a etiqueta do recinto. Não cuspo no chão, em respeito ao senhor que estava deitado nele. Pobre infeliz, por certo tinha desmaiado. Observo uma mosca quase adentrando em suas narinas, começo a redigir mentalmente a nota de falecimento que sairá no jornal amanhã. Um uísque cai bem. Um copo limpo também. Um copo sem a borda quebrada mais ainda. Rezo para que o líquido amarelado dentro seja bebida. Esplêndida hora para perceber que não posso sentir odores.

A fome manda um discreto recado, dizendo que já era hora de ser saciada. Olho novamente para os amendoins. Remexo. Dessa vez um fio ruivo aparece. Adoro ruivas. São mais raras, as naturais é claro; e tudo que é raro, dificilmente não é saboroso.
Som de salto-alto. Olho com discrição para a porta. Uma ruiva! Vinte e dois. Não, vinte e quatro. Aposto pela vida do senhor no chão. Apostar não é bom, mas o que é a vida sem um pouco de emoção? Parem de procurar o significado de sarcasmo no dicionário.

Só agora percebo que chovia, então provavelmente a jovem fugira da torrente. Soprava as mãos, denunciando que estava um bocado frio lá fora. Meu bem, isso não é lugar para uma moça como você. Vá embora. Seja valente, enfrente a chuva, ande mais algumas quadras e pegue um táxi. Aqui é perigoso... Eu estou no bar.

Teimosa, não atendeu ao meu pedido. Como eu, ela procurou um lugar para se acomodar. As opções eram poucas. Nenhuma atraente. Finalmente o bom rapaz que estava ao meu lado, se retira com um pouco de dor de cabeça. Levara uma garrafada do barman por não pagar seu quinto drinque. Ela senta próxima a mim, tirando antes seu encharcado sobretudo. Outra tigela de amendoins lhe é arremessada. Observava desinteressadamente o recipiente, parando alguns segundos o olhar para confirmar a presença de uma mosca, falecida há dez minutos entre os aperitivos. Com certa repulsa afasta a vasilha. Mulher exigente. Gostei. Dou duas pequenas batidas no vidro do copo, com meu anel. Aparentando despropósito, claro. Curiosa, ela olha.

Passo um feito, era hora de conversar. Comecei perguntando se conseguia adivinhar se o cabelo ruivo da minha tigela era pintado ou natural. Ela riu, discretamente.
Eu também ria, por ela ter achado graça numa piada tão simples. Perguntei o que fazia tão tarde na rua, respondera que isso não era da minha conta. Brindei ao fora. Ela brindou comigo, rindo.

Quarenta minutos de conversa, uma ida ao banheiro, volta rápida ao verificar o estado de. Ótimo papo, ruiva, pernas lindas, pescoço promissor. Eu estava com fome e isso estava começando a me irritar. O bar começava a esvaziar e menos garrafas e cadeiras voavam pelos ares. Isso, meus caros, se chama Classe.

A chuva havia cessado; o bate-papo não. Paguei minha conta e a dela. Sem gorjeta, por causa da mosca. O frio ainda era congelante, pude ver pelas mãos dela. Esfregava-as ininterruptamente. Andávamos, cortando alguns becos, almejando a avenida, onde ficaria mais fácil pegar um táxi.

Está em tempo ainda, meu bem. Corra. Tire os sapatos, assim você ganha velocidade. Mas não caia no erro de olhar para trás, porque aí não me controlarei. Ande mais algumas quadras e pegue um táxi. Aqui é perigoso... Eu estou ao seu lado.

Ela fica. Eu suspiro mentalmente. Calma, tudo vai ficar bem. Só estou com fome. Assim que terminar, eu tiro meus dentes do seu pescoço. Veja, me arranhar não adianta muito. Ok, mostrando o crucifixo da sua correntinha me faz pensar que talvez não fosse tão inteligente assim. Relaxe... estou brincando. Não teve graça? Eu até pensei em rir, mas minhas presas ainda estão encravadas na sua pele. Quase acabando. Eu sei, mas eu falei que estava faminto. Pronto, uma lambida no ferimento e você não lembrará de nada. Pelo menos não de mim. Talvez da mosca morta na tigela. Obrigado pela companhia. Adoro ruivas.

Já faz algum tempo que criei este conto. Gosto bastante do universo vampírico; rendem boas histórias. Como escrevi pela madrugada, decidi que este seria o título. Confesso que não sou tão boa para intitular textos *suspira*. Pela data, achei que uma história assim seria interessante e também finalmente esbocei as feições desse personagem... Que a meu ver, seria aquele tipo de cara aparentemente inofensivo. Provavelmente não devem ter notado, mas o modelo – claro, modificando o que achava necessário – para os traços do moço aí em cima, foi o ator Dougray Scott, ele foi o que mais se aproximou do que eu tinha em mente. Espero que tenham gostado. Bye bye o/
Por Luana R.